Translate

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

A importância dos sentimentos negativos

 Esse texto não é de minha autoria, nas me identifiquei muito com ele. É muito interessante. Vejam:


O elogio da vingança

O cristianismo, o orientalismo e a auto-ajuda ficam sempre a pregar o perdão e a serenidade como a solucionática dos problemas da vida. Será? Pensem na adrenalina, nosso melhor mecanismo de defesa. Tal qual a adrenalina, em alguns momentos de nossa caminhada, a raiva e o desejo de vingança podem ser o único caminho da sobrevivência. Há um filme, Ben Hur, que bem ilustra a utilidade da raiva. Quanto à vingança, temos o romance O Conde de Monte Cristo.


Foi meu amigo, o criminalista José Jose Cupertino Luz Neto, quem certa feita me chamou a atenção sobre Ben Hur. Na montagem clássica, de 1959, com o ator Charlton Heston, o príncipe Ben Hur, jogado nas galés como escravo por causa de um crime que ele não cometeu, de repente é açoitado por um feitor romano. Então olha com ódio para o feitor. No que ele replica:


-- Isso mesmo: ódio, muito ódio. Só o ódio vai te permitir sobreviver às galés.


Esclareço que não estou cá a pregar o ódio. Mas tão somente a lembrar que esse sentimento faz parte da natureza humana, na categoria dos estados emocionais negativos -- tal qual a depressão, o medo, a mágoa, a inveja, a ganância, etc. Estão todos esses estados negativos categorizados nas tragédias gregas. Mas devemos observar que, tal qual a adrenalina, raiva e ódio podem ser úteis para combater a depressão e buscar a sobrevivência.


Foi outro grande amigo Chico Catunda, sempre genial, quem certa feita me chamou a atenção sobre o enredo de O Conde de Monte Cristo, romance de Alexandre Dumas. Todos nós o lemos na juventude, ou assistimos ao filme. Confesso que não o reli recentemente; então relato aqui a interpretação do amigo.


O protagonista, Edmond Dantès, era um marinheiro jogado em uma masmorra fétida injustamente. Lá conhece um padre, também prisioneiro. Edmond chega em depressão profunda, lamentando-se da injustiça do Destino, entregando-se à morte. Então conta sua história para o padre.


A primeira atitude do padre foi convencê-lo de que aquilo não era obra do Destino, de Deus (ou do diabo), mas sim coisa de homens sórdidos. Então o padre o leva a fulanizar a culpa. Ou seja, a culpa deixou de ser de um Ente inominado, o Destino, para ter nomes, sobrenomes e rostos.


Foi assim que, ao dar rosto aos culpados, Edmond sai do estado de prostração e conformismo para o de revolta e raiva. Enfim, levantou-se.


O segundo passo do padre foi ajudá-lo a tecer um plano de fuga e, ato contínuo, de vingança. Então o padre o ensinou a arte da esgrima. Também o ensinou os modos de um chevallier. Foi o desejo de vingança (com um plano) que proporcionou Esperança a Edmond.


O resto da história é por todos nós conhecido. Um dia o padre morre e Edmond toma seu lugar no saco que seria jogado ao mar. Consegue sobreviver aos rochedos, foge e vai para a ilha de Monte Cristo, onde encontra o tesouro que o clérigo lhe indicara. Rico, dá a si mesmo um novo nome, Conde de Monte Cristo, e retorna à cidade para perpetrar sua vingança.


Enfim, tanto Ben Hur quanto O Conde de Monte Cristo são alegorias que têm como protagonistas os sentimentos negativos de ódio e de vingança. 


Tempos atrás atendi, como paciente dos florais, um jovem brilhante e culto. Ele estava sendo brutalmente assediado por um chefete de merda, um "pequeno tirano" (conceito de Foucault), que busca se auto afirmar humilhando os subordinados. Ministrei uma fórmula para se fortalecer, para falar o que pensa. Então encerrei com um conselho:


-- Se prepara para dar porrada nele. Quando ele te demitir, e isso pode acontecer a qualquer momento, aproveita e enche a cara dele de porrada.


-- Como assim, você está falando sério?


-- Sim, estou. Você só tem 27 anos, é inteligente, preparado e tem um bom colchão financeiro da família. A pior coisa que pode te acontecer é ter que explicar ao delegado que o chefe é um assediador moral. Em compensação, você vai sair com a alma lavada. 


Ainda expliquei que uma boa surra pode fazer bem para impor limites ao pequeno tirano, que adora assediar subordinados. Ele gostou da ideia. E saiu da consulta com moral alta, já preparando na cabeça o plano de vingança. Logo depois foi demitido com requintes de humilhação. Teve vontade de enfiar um chute no joelho danificado do assediador, pensou, adiou.... e acabou delegando a Deus a lição pedagógica.


Portanto, meu caros amigos, quando estiverem tomados por esses sentimentos, não se culpem, não se dilacerem. Apenas pensem na adrenalina, na raiva e na vingança como mecanismos de defesa e sobrevivência do ser humano. E depois racionalizem a situação e busquem perdoar. Se for possível.


Paz e bem.


Hugo Studart

Nenhum comentário: